Ilhas do mar

terça-feira, junho 26, 2007

O sono

O Sono - Álvaro de Campos

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono! ...

3 Comments:

  • /
    Não, não é cansaço...
    É uma quantidade de desilusão
    Que se me entranha na espécie de pensar.
    É um domingo às avessas
    Do sentimento,
    Um feriado passado no abismo...
    Não, cansaço não é...
    É eu estar existindo
    E também o mundo,
    Com tudo aquilo que contém,
    Como tudo aquilo que nele se desdobra
    E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

    in) Álvaro de Campos
    ,
    xi
    /

    By Blogger poetaeusou . . ., at 9:32 da tarde  

  • É tudo isso...

    By Blogger Luis Eme, at 8:19 da manhã  

  • Vejo que também gosta de Fernando Pessoa, eu identifico-me imenso com a forma que ele escreve. Acho o seu espaço muito interessante. Gostei imenso do que li.Parabéns.

    By Blogger theresia, at 9:23 da tarde  

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