Ilhas do mar

sábado, abril 29, 2006

E por vezes as noites duram meses


Vila da Calheta - São Jorge (da minha janela)
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
David Mourão Ferreira

sexta-feira, abril 28, 2006

Pico


Pico (visto de São Roque)

segunda-feira, abril 24, 2006

25 de Abril

As Portas Que Abril Abriu

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais feliz
dos povos à beira-terra

Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza


Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raíz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro
estragado
pelo dobrar da cerviz
que nos tempos do pasado
se chamava este país
Portugal suicídado
................................
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena
..................................
E se essee poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.
.................................
Contra tudo o que era valho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.
A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.
Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.
E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideias
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.
.................................
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que segui
o que história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e prais claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viesses ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.
Na frente de todos nós
povo soberano e total
e ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que os capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
Lisboa, Julho-Agosto de 1975
José Carlos Ari dos Santos - "Obra poética"





Cantiga de Amigo

Há trinta e dois anos, véspera do 25 de Abril, comprava na clandestinidade, em Coimbra, o LP "contra a ideia da violência a violência da ideia" de Luis Cilia, editado em França, onde ele se encontrava no exílio.

Na face A, faixa três, ouve-se pela voz de luis cilia este poema de J.C. Ary dos Santos

Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
- o meu amigo está longe
e a distância é bastante.
Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante
- o meu amigo está longe
e a tristeza é bastante.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sózinho o amor imenso
Calai Camões Virgílio Shelley Dante
- o meu amigo está longe
e a saudade é bastante

sábado, abril 22, 2006

Até quando este cenário na Praia da Fajã

O CP Valour a 16 de Abril de 2006

Poço de maré coberto com uma rede à esquerda e à direita...


Bem...à direita algo feito por mão humana para vazar...LIXO


Cenário de chapas contorcidas (restos dos contentores que caíram ao mar)


É mesmo deslumbrante este local...

Será que é para a posteridade ?

Continua o CP Valour a ser alvo de romaria ( esta foi no dia 16 de Abril de 2006), já foi ampliado o espaço envolvente para estacionamento, afinal até vai dar negócio... (Males quem vem para bem)

Já lá vão quase cinco meses após o estranho acidente, é degradante tudo isto. Pelos vistos o DOP e os Vigilantes da Natureza se cansaram .

Neptuno não deu o seu contributo na limpeza, afinal nem sempre os deuses estão loucos .

PS: mesmo ao lado, descobri que fica uma lixeira de ilha, com a designação de "pseudo aterro sanitário". Fica mesmo bem numa zona de praia e de veraneio.

Onde estão os técnicos ? já que os políticos não são técnicos.


quinta-feira, abril 20, 2006

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terça-feira, abril 18, 2006

Ilha


Minha ilha sem bruma
Sem distância a percorrer
Onde o vento é o donatário
Único senhor e rei
Sem eu mesmo o saber.

Ilha Maior no sonho e na desgraça
Sempre a acenar a quem ao longo passa
Nos navios rumo ao Canadá e América.
Ancoradouro de aves, poetas e baleeiros,
Heróis sem nome, com um pé em terra e outro no mar,
Quantas vezes em vão a balear.

Negra, negra, negra e cativa
Ilha Maior, minha Ilha-Mãe adoptiva,
Maravilha de lava e altura!
El-rei Sebastião, o Desejado,
Veio um dia, nunca mais voltou.
E é aqui, cavada a seu lado,
Que eu quero ter a minha sepultura.

In Narcose de Almeida Firmino

sábado, abril 15, 2006

Barca Bela

Porto de Vila Franca
Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela.
Ó pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador!
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador
Almeida Garrett

domingo, abril 09, 2006

Portugal fechado

Os geógrafos avisam: as aldeias portuguesas estão a morrer. A seguir serão as pequenas cidades

Não consigo guardar só para os leitores da revista Visão, este resumo do estudo de Inês Rapazote e Mónica Oliveira sobre o Portugal do Futuro. Encerram-se escolas e maternidades, fecham-se urgências e esquadras de polícia, extinguem-se ou fundem-se freguesias. Tudo em nome de uma das mais ambiciosas reformas ...

Fecho das escolas

Prós

  • Fim do isolamento de muitas crianças, permitindo uma maior socialização
  • Terminam as turmas com alunos do 1º ao 4º ano, o que prejudica a qualidade do ensino.

Contras

  • Crianças deixam de fazer parte da vida activa das aldeias,pois sairam de casa de manhã e só regressarão ao fim da tarde.
  • No interior, muitas das novas escolas obrigarão as crianças a viagens de dezenas de quilómetros por dia, em estradas degradadas.

Fecho das urgências nocturnas nos centros de saúde

Prós

  • As médias de atendimento nocturno de alguns SAP não justificam a sua manutenção.
  • Pode ser uma perda de tempo em casos verdadeiramente urgentes.

Contras

  • Com o critério da média de atendimento nocturno, o encerramento ocorrerá nos concelhos mais despovoados e com população mais envelhecida, logo, a que mais necessita de cuidados.
  • É uma medida economicista. Contraria o princípio de que os cuidados de saúde devem estar próximos dos cidadãos.

Encerramento de blocos de parto

Prós

  • Os obstretas "perdem a mão" em salas de parto com menos de 1500 partos anuais.
  • As parturientes ficam mais próximas de unidades maiores, com serviços de sangue, cuidados intensivos e neonatologia.

Contras

  • O número de partos como critério pode levar à despromoção das instituições de saúde em zonas já deprimidas e desincentivar a fixação de jovens.
  • Em muitas freguesias rurais, as crianças passam a nascer na ambulância, visto a parturiente ficar a mais de uma hora da sala de parto. (DO PICO PARA O FAIAL, VÃO COM UMA SEMANA OU MAIS DE ANTECEDÊNCIA)

Extinção e fusão de freguesias

Prós

  • Há freguesias com menos eleitores que algumas ruas
  • Obtém-se uma melhor prestação de serviços à população.

Contras

  • Não ajuda à coesão territorial, num mundo rural onde a freguesia é a única âncora que liga a população à administração pública.
  • É mais um serviço a ficar mais longe das populações, podendo agravar a desertificação.

Fecho das Esquadras

Prós

  • Deslocação de agentes para zonas mais populosas e com maior potencial de criminalidade
  • Maior definição de zonas de competência entre GNR e PSP

Contras

  • Pequenas localidades ficarão mais protegidas, dado que, com o País coberto de auto-estradsa, o crime chega hoje depresa ao Interior.
  • Com o fim anunciado da PSP em muitas freguesias urbanas, a GNR fica sobrecarregada.

É este o método para corrigir as Assimetrias Regionais? É deste modo que se pretende resolver o problema da Litoralização? É assim que se fixam as populações nos meios rurais, com bem estar económico e social?É assim que se pretende travar a Emigração clandestina para o Canadá e outros destinos?É assim que se evita a escravatura na Holanda, Espanha e outros..? É assim que se quer um País melhor?


sexta-feira, abril 07, 2006

Maroiço

Sete Cidades - ilha do Pico

Construções de pedra lávica em forma de pirâmide construídas pelos primeiros povadores, era um modo de "limpar" o terreno para encontrar solo arável. Hoje são construções com significado no mundo rural picoense e fazem parte do seu património edificado.

quarta-feira, abril 05, 2006

Poema do Coração


Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos".

Mas o meu coração é como o dos compêndios
Tem duas válvulas ( a tricúspide e a mitral)
e os seus compartimentos (duas aurículas e dois ventrículos).
O sangue a circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.

Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados
e uma lâmina baça e agreste, que endurece
a luz nos olhos em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.

Então meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?


António Gedeão

segunda-feira, abril 03, 2006

Procelária

Mar de Vila Franca do Campo

É vista quando à vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como uma bala

As suas asas empresta à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente

Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança sua força
E de risco de morrer seu alimento

Por isso me parece imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo

Sophia de Mello Breyner (in Geografia)

domingo, abril 02, 2006

Também este crepúsculo...


Algures na A23 entre Constância e Torres Novas


Também este crepúsculo nós perdemos,

Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas

enquanto a noite azul caía sobre o mundo.

Olhei da minha janela

a festa do poente nas encostas ao longe.

às vezes como uma moeda

acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

Eu recordava-te com a alma apertada

por essa tristeza que tu me conheces.

Onde estavas então?

Entre que gente?

Dizendo que palavras?

Porque vem até mim todo o amor de repente

quando me sinto triste, e te sinto tão longe?

Pablo Neruda